Aforismos anestésicos...

... Nada mais nada menos que aquelas máximas que nunca ninguém leu mas todo interno/especialista ouviu da boca de um anestesista. Ou se amam ou se odeiam!!!







segunda-feira, 25 de outubro de 2010

"Nunca uses um ventilador ou equipamento anestésico que desconheças"

Sobretudo a altas horas da noite!
A verificação matinal, de preferência por checklist, do ventilador e equipamentos, é realizada diariamente pelo staff de enfermagem.
Não invalida o facto de que qualquer problema inerentes ao mesmo que ponha em perigo a segurança do doente seja igualmente a nós imputado.
Daí que advogo uma segunda e sumária verificação feita pelo anestesista no início de cada caso.
Devemos verificar os alarmes do ventilador (e monitor), válvula de pressão, montagem dos ramos inspiratório/expiratório (mudados sistematicamente na pediatria consoante as idades dos doentes), funcionamento do ventilador nos modos manual e mecânico (preferencialmente com o pulmão artificial do ventilador) e respectivas fugas, se presentes.
Não esquecer a verificação e montagem do aspirador e o adequado funcionamento do laringoscópio.
Na presença de material desconhecido devemos perder o tempo que fôr necessário até o conhecermos bem (até os monitores podem ser diferentes do que estamos habituados).
Será imperativo não iniciar um acto anestésico se tivermos dúvidas.
Na dúvida peçam ajuda!

Conselho: se surgir um problema inesperado, pega num circuito ventilatório externo (Mappleson) e ventila-o à mão até à resolução do problema ou à mudança do ventilador.

"Se tens uma hipóxia súbita olha primeiro para o teu tubo"

Ainda que a causa predominante para a hipóxia seja um problema no tubo dever-se-á olhar em primeiro lugar, como noutra qualquer situação, para o teu doente. Está cianosado? A leitura do teu oxímetro está correcta (sem falha de equipamento ou má perfusão periférica?).
Se assim for, avalia o teu doente de ponto de vista hemodinâmico e ausculta-o pois nunca nos poderemos esquecer da emergência que é o tratamento de um pneumotorax hipertensivo!
Estando esta clínica descartada verifica, agora sim, o teu tubo pois várias são as possibilidades que levam a hipóxia súbita, passando a enumerá-las:
- Tubo desconectado: geralmente o próprio ventilador alarma um volume inexistente e deixa de existir linha de capnografia. Reconecta-o!
- Deslocação do tubo para cima: semelhante ao acima referido com a diferença de que se ouvirá fluxo de ar a sair da cavidade oral. Reposiciona-o!
- Deslocação do tubo para baixo: ouvir-se-á à auscultação o murmúrio predominante do lado para onde se deslocou o tubo (geralmente para a direita pela anatomia brônquica) e existe um aumento na pressão das vias aéreas. Acontece sobretudo nos posicionamentos diversos do decubito dorsal, se houver necessidade de flexão cervical e na pediatria (comprimento curto da via aérea). Reposiciona-o!
-Bloqueado: geralmente por secreções (esperemos que não o seja por uma peça dentária que tenha migrado para onde não devia aquando da laringoscopia!). à auscultação ouvir-se-á roncos, diminuição do múrmurio e aumento da pressão de pico das vias aéreas. Aspira-a e reexpande os pulmões na tentativa de desfazer possíveis atelectasias!
-Dobrado: muito comum nas crianças pequenas pelo calibre e maleabilidade do tubo. Apresenta-se associado a um aumento da pressão de pico da via aérea e diminuição do volume corrente expirado. Desfaz o "kinking"!
-Cuff herniado: situação rara que pode surgir por um repuxamento inadvertido do tubo, extensão cervical ou em situações de intubação difícil com deficiente visualização da glote na intubção. Poderá não cursar com hipóxia mas termos certamente um doente taquicárdico e hipertenso, que não cede aos opióides, devido ao estímulo simpático agressivo e permanente. Sb laringoscopia, desinsufla o cuff e reposiciona o tubo!

domingo, 24 de outubro de 2010

"Codifica as torneiras de 3 vias"

Nada mais nada menos que um método de identificação de vias quando o número das mesmas excede a nossa capacidade de as reconhecer de pronto.
Há quem escreva num adesivo o calibre do acesso venoso periférico, identifique o lúmen do catéter central e a linha arterial e os fixe no sistema de soros.
Não é a minha técnica preferencial mas antes uma que nenhuma.
Existe igualmente uns identificadores de plástico coloridos que se encontram nos kits de catéter venoso central e que se adaptam nas torneiras de 3 vias: azul para venoso, vermelho para arterial, amarelo para artéria pulmonar (no caso do catéter de Swan-Ganz), verde para outros (por exemplo para uma perfusão via epidural).
A melhor forma de identificação de vias que conheci foi no Hospital de Santa Marta, em que simplesmente as vias centrais estão fixas à direita da cabeceira do doente, as periféricas à esquerda e a linha arterial encontra-se escondida debaixo da cabeceira do doente. Todas as vias estão igualmente identificadas com adesivo vermelho e azul, consoante estejamos perante um acesso arterial ou venoso, respectivamente.

Lá vou ter eu de me habituar a algo tão pouco macho como pôr corzinhas nas minhas torneiras!!!

sábado, 23 de outubro de 2010

"A succinilcolina pode ser confundida por outro fármaco numa seringa de 2cc"

Como por exemplo, a atropina!!! Infelizmente já me aconteceu dar atropina em vez de succinilcolina e é tão desagradável pensar nisso pois considerei-o um erro clamoroso que, apesar de pouco nefasto no meu caso (intubou-se sem relaxante e ficou a bater a 140 durante 30'!), poderia ter tido consequências mais graves se, por exemplo, estivéssemos na presença de uma estenose aórtica!!!
Penso que as drogas de emergência (as que manipulam a hemodinâmica do doente) deveriam estar sempre cobertas ("escondidas") ou num tabuleiro à parte.
Lembro-me igualmente de uma troca de etomidato por cefazolina (durma, durma e o doente... nada!!!) pois têm a mesma coloração e estão em seringas de 20cc.
As ampolas idênticas são outra forma de erro grave (adrenalina, atropina e neostigmina) e para o evitar devem estar arrumados longe uns dos outros, de preferência em gavetas diferentes.
Não esquecer igualmente o quão importante será prevenir a administração de um fármaco por uma via errónea, como a intra-arterial ou a epidural. Estes erros surgem sobretudo em situações de emergência em que qualquer torneira adaptada ao doente serve para dar fármacos.
Diria e concluiria que a rotulagem informatizada sob a forma de autocolante, descriminando o nome, volume e concentração, será a forma mais correcta de prevenção do erro.
Precisamos de uma cultura de menor displicência e maior responsabilidade no que concerna a preparação, rotulagem e administração de fármacos.

"Avaliação pré-operatória: Quem, Quando, Onde."

Esta máxima relembra a noção de suporte macro hospitalar que existe em torno de cada doente.
Na avaliação pré-operatória são muitas as responsabilidades que temos.
Desde logo a avaliação físico-cognitiva do doente, dissipação de dúvidas, ajuste terapêutico e medicação pré-anestésica. Nesta primeira fase estamos perante uma visão micro hospitalar onde o doente é o centro.
Passamos então à segunda fase, a macro, em que se avalia de forma centrípeta todas as circunstâncias inerentes à cirurgia que rodeiam o doente:
Quem faz a cirurgia? A importância encontra-se a vários níveis, nomeadamente na duração cirúrgica, na confiança depositada no cirurgião, na discussão do plano anestésico-cirúrgico.
Quando será a cirurgia? Dá-nos a noção da altura ideal para a medicação pré-anestésica, para o pedido de sangue na sala do bloco, para a preparação e acessibilidade de material específico para a manipulação anestésica do doente (ex: fibroscópio). Estaremos com disponibilidade mental para a cirurgia na altura que ela decorrerá (poderá ser necessário alterar o horário da cirurgia se, por exemplo, estiver em último tempo e implicar um elevado e mantido nivel de concentração).
Onde irá o doente no pós-operatório? Deveremos averiguar atempadamente a vaga disponível no local de destino final do doente operado assim como os seus recursos (existem Unidades que têm camas com ventilador e camas sem).
Enfim, um doente não é só um doente, é também um veículo motor de toda uma estrutura que trabalha a seu favor e dispor.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

"Não se esqueçam do velhinho nasofaríngeo"

Sendo que por vezes se torna difícil de permeabilizar a via aérea (facies largo ou sindromático) mas o doente não tolera o tubo de Guedel, devemo-nos lembrar de uma arma tão poderosa e tão tolerada como um nasofaríngeo.
Por vezes na recuperação anestésico com extubação profunda o Guedel torna-se eficaz na patência da via aérea e é necessário extensões cervicais extremas para ultrapassar a dificuldade (ou colocar o doente em decúbito lateral). Podemos nestes caso usar o nasofaríngeo mantendo o doente em posição neutra. E quando o doente acorda ele próprio o retira (sinal que já não precisa dele!)
Não nos devemos esquecer de outras indicações mais precisas: se o doente abre mal a boca ou se tiver dentes estragados , cujo o perigo de os partir com a colocação do Guedel poderá levar à aspiração dos mesmos.
Não esquecer igualmente as 2 contraindicações major: coagulopatia (epistáxis) e trauma facial (falsos trajectos).
Gostaria de referir que o seu uso na Anestesiologia pediátrica tem sido para mim de uma valor incalculável, sobretudo para a manutenção anestésica inalatória em doentes propostos para anestesia geral para ressonância magnética ou tonometria (induzo inalatoriamente com máscara facial, coloco o nasofaríngeo, adapto um conector apropriado de um tubo traqueal ao nasofaríngeo, que por sua vez se conecta ao ventilador, mantendo assim o doente profundo com os gases e libertando as minhas mãos.
Por vezes parece-me haver alguma dificuldade na escolha dos nasofaríngeos adequados acada doente. O mais simples será medir "a olho" da narina ao ângulo da mandíbula. O que faço de seguida é ir colocando o nasofaríngeo com o meu ouvido colocado na sua extremidade até sentir e ouvir passagem de ar. Fica perfeito!

"É perigoso usar os efeitos secundários dos fármacos com um propósito terapêutico"

E não é que dou por mim a fazê-lo?!
Não sei se o perigo é real mas não há dúvida que criamos potencial para a asneira! Porque um efeito secundário nunca vem só estes por vezes não os conhecemos!
Mas quem é que nunca aproveitou o efeito secundário vagolítico do pancurónio para o escolher como relaxante muscular de eleição ? Bom, pois é, quase ninguém (excepto os anestesistas da cardiaca pediátrica!), foi uma escolha infeliz.
Mas não me digam que nunca puseram um paracetamol endovenoso a correr a fio com o intuito de aproveitar o efeito hipotensivo deste analgésico? Pois é, acertei! No entanto outros efeitos secundários apontados são os distúrbios idiossincráticos (trombocitopenia) para além da sobejamente conhecida hepatotoxicidade (se bem que em altas doses).
Também é comum o bólus de propofol com o prósito de obter, não o efeito indutor mas sim hipotensor, descurando por vezes outros efeitos que poderão ser nefastos para o doente, tais como a diminuição do débito cardíaco ou pressão de perfusão cerebral.
Não nos podemos igualmente esquecer da lidocaína e do seu efeito de supressão da tosse face a um estímulo nóxico (efeito secundário de mecanismo desconhecido), tantas vezes usado, assim como não nos devemos esquecer do seu potencial arrítmico e de toxicidade em concentrações elevadas.
Por vezes aproveitamos de forma intencional o efeito secundário da petidina para debelar o shivering pós-operatório (mais uma vez de mecanismo desconhecido) e o seu metabolito, a norpetidina, aproveita o seu efeito pró convulsivante para nos pregar valentes partidas.
Em jeito de conclusão diria apenas que, ao aproveitarmos tudo o que de bom um fármaco tem, estaremos também a evocar o seu lado lunar e um balanço deverá ser realizado entre ambos.

"Just when I thought I was out, they pull me back in"

Frase célebre dita por Michael Corleone naquele grande filme que é o Padrinho e cuja tradução aproximada será "Logo quando eu pensava que iria sair, arrastam-me de novo para dentro", foi pro mim adaptada como máxima pois é um espelho literal do que se passa connosco no bloco operatório.
Quantas vezes nos dizem que o tempo cirúrgico é de uma hora, fazemos contas à vida com um sorriso nos lábios e de repente... já lá vão três horas!!!
Ou dizem-nos que são só mais dois pontos e ao fim de uma hora já se esgotou uma caixa de suturas!
Ou ainda... Estamos na recuperação do doente, a pensar na nossa ida ao refeitório e a enfermeira diz que falta uma compressa! Chamar o técnico de imagio, reabrir a ferida operatória, mais uma hora de intervenção e o refeitório fechado.
Inúmeras as situações que nos transportam ao mundo cinematográfico da máfia hospitalar!
Apenas haverá que encarar as horas seguintes com o mesmo espírito de intervenção anestésica do início do dia, sem um único laivo de desconcentração, que poderá ser fatal.
Just when I thought I was out...

domingo, 17 de outubro de 2010

"Periféricos para volume. Central para fármacos"

Curiosamente, uma máxima simples e, ameu ver, acertada, que só aprendi no meu 3º ano do internato, no Hospital de Santa Marta.
Muito simples de explicar vendo a Fórmula de Poiseuille que diz, basicamente, que o fluxo é inversamente proporcional ao comprimento do tubo e directamente proporcional à quarta potência do diâmetro do tubo. Assim se percebe que se o comprimento de um catéter for reduzido a metade (relação entre um periférico e um central!), o fluxo passará para o dobro; se o diâmetro interno fôr o dobro, o fluxo aumenta 16 vezes!!!
Quanto maior o calibre do catéter, mais volume/minuto poderemos administrar. No entanto, ainda há muito boa gente a preencher todos os lumens dos centrais com soros, para poder fazer mais volume!!!
qual o interesse? Nenhum. Quanto mais soros se colocam, maior a tendência em se perder a conta ao volume total horário que se está a fazer, caindo na hipervolémia e trabalhando para o edema agudo. Para além de que poderemos necessitar desses lúmens para perfusões (aminas, indutores, etc) ou reposições iónicas.

Excepção: se não se consegue cateterizar periféricos ou em crianças, em que os acessos periféricos, pela fragilidade capilar e má perfusão, deixam de debitar!
Neste caso será bom relembrar que na eventualidade de necessitarem de fazer volume pelo central podem recorrer à velhinha manga de pressão para espremer os soros (funciona lindamente com colóides). Tenham apenas o cuidado de verificar a temperatura dos fluidos que se administram pelo catéter venoso central pois a entrada de volume demasiado frio directamente no coração pode induzir disritmias malignas.

"Há uma relação inversa entre o número de tatuagens e a tolerância à anestesia regional"

Tatuagens e piercings são para mariquinhas! Abbocaths 14 nas mais recônditas partes do corpo é que é d'Homem!!! :)
Não sei se esta máxima é verdadeira , nunca reparei nesta insólita situação mas parece-me haver alguma lógica nela.
Em primeiro lugar a grande maioria dos tatuados são indivíduos do sexo masculina, entre os 20 e 30 anos e esses sim, facto comprovadíssimo com maior propensão à reacção vagal aquando da visualização ou do contacto com qualquer objecto pontiagudo e biselado.
Em segundo lugar pode-se partir do princípio que os doentes tatuados terão menor tolerância à dor, pela sensitização prévia das terminações nervosas motivada pelas tatuagens.
Basicamente a predisposição da pele ao estímulo nóxico de repetição provocado pela agulha da tatuagem, sem qualquer tipo de anestésico tópico, poderá levar a um desajuste/reajuste dos sinais químicos das vias da dor.
Aldrabice? Não sei, quase que me convenci... É que há tanta gente a fugir com o rabo à seringa!!!

"A segurança em primeiro lugar mas o conforto e bem-estar logo de seguida"

Esta é uma máxima que devemos ter sempre em mente, se possível não dissociando os vários aspectos da mesma, ou seja, um doente em segurança mas mantendo os maores índices de qualidade e satisfação intactos.

Nunca nos devemos esquecer que a segurança exige um método de trabalho, um ritual semelhante para todos os doentes. Já o conforto e o bem-estar advêm de uma boa comunicação e adequada informação aos doentes, boa analgesia do pós-operatorio, suporte estrutural hospitalar em conformidade com as árias fases da estadia à alta.

Na minha opinião pessoal existe uma altura em que a segurança se deve sobrepôr ao conforto. Quer na indução, quer na recuperação anestésicas, os doentes devem ter o tórax e abdómen descobertos por forma a mantermos uma adequada avaliação clínica, por oposição ao desconfortável arrefecimento que daí poderá advir. Mais vale um doente frio e vivo que quente e morto!

Já agora, por favor, destapem-me os doentes na totalidade na transferência da marquesa para a cama da enfermaria. São muitos soros, catéteres venosos centrais, sondas nasogástricas e algálias predispostas ao arrancamento!!!

"A práctica é o melhor dos mestres"

A nossa práctica e a experiência da práctica transmitida pelos outros colegas.
Quem nunca, como interno, andou a massacrar umas costas ou um pescoço a um doente até um sénior entrar em acção e conseguir à primeira o que falhámos à milionésima. E perguntas porquê, eles dão algumas dicas mas na realidade sabem que é muito ano a ganhar mão!
Não há dúvida que a práctica representa cerca de 80% do nosso dia a dia daí que, quanto mais casos tenhamos, mais técnicas façamos e menos erros cometamos, mais acertamos, mais acutilantes ficamos.
Se experienciamos uma complicação inadvertida, poderemos antecipá-la na próxima vez. Se não conseguimos executar uma técnica (intubação, raquianestesia), identificamos o que correu mal, as armadilhas, para no futuro as ultrapassar.
Gostava apenas de salientar que os restantes 20%, a teoria, nunca se poderá dissociar da práctica porquanto a taxa de sucesso diminui consideravelmente sem as bases para a executar, além de que cairemos numa rotina que poderá até já estar ultrapassada face às actualizações constantes que o mundo anestésico sofre.

sábado, 16 de outubro de 2010

" Os doentes não morrem das suas doenças; morrem das consequências fisiológicas das suas doenças"

Tão importante esta máxima, já que nós, anestesistas, tratamos só mesmo as consequências ou tentamos que as suas doenças não desenvolvam consequências nefastas ao longo de todo o perioperatório.
Posto isto, penso que, mais importante do que saber as patologias associadas, será o de saber o que elas fazem e/ou já fizeram ao teu doente, ou seja, carácter evolutivo, sintomatologia, repercussão na actividade física, hemodinâmica, impacto orgânico e previsibilidade de agravamento durante o acto anestésico-cirúrgico.
Após esta colheita detalhada, devemo-nos preparar para minimizar quaisquer consequências. Compete-nos escolher a melhor estratégia anestésica, incindindo no tipo de anestesia, fármacos anestésicos e outros que possam manter a estabilidade da doença.
Conselho: Uma adequada medicação pré-anestésica e uma boa analgesia de pós-operatório nunca fizeram mal a ninguém!

"Torneiras de 3 vias abaixo do nível do coração"

Parece lógico mas nem sempre é cumprido. Aliás, já vi torneiras presas a suportes de soros, quase no tecto!
Até pode estar mais ao nível das mãos do anestesista mas é demasiado perigoso.
Para quem nunca se deu conta eu passo a explicar:
1) Torneira abaixo do nível do coração - se a torneira fica aberta para o doente dá-se uma sangria para o chão (deixem-me acrescentar que é desta forma que se verifica se um acesso venoso periférico/central está bem cateterizado e não tirando os soros do suporte e pondo-os no chão! - diria uma colega nossa: desnecessário e deselegante!)
2)Torneira acima do nível do coração - se a torneira fica aberta para o doente o ar entra para dentro do sistema de soros e do sistema sanguíneo (diria eu: trabalhar para a embolia!)
É apenas a lei da Física e dos seus gradientes de pressão.
Da mesma forma, os sacos de drenagem vesical e gástrica, em cima das marquesas, não drenam!

"Quanto menor a indicação, maior a complicação"

E o nosso objectivo no mundo da anestesiologia é o de manter tudo o mais simples possível e, não complicar!
Esta máxima é válida, não só enquanto indicação anestésica, como também enquanto indicação cirúrgica.
Qualquer uma delas merece uma racionalização no sentido de averiguar se a proposta beneficia o doente, assegura a sua vitalidade, mantem o seu grau de conforto.
Fará porventura sentido manter uma proposta cirúrgica num doente que não se espera que sobreviva à agressividade cirúrgica ou ao stress pós-operatório, retirando o conforto e dignidade restantes?
Fará porventura sentido propôr um acto anestésico desajustado à cirurgia proposta, no que diz respeito ao estímulo nóxico cirúrgico, sujeitando o doente a todo um maior stress endócrino-metabólico com as consequentes complicações já tão descritas?
E nunca se esqueçam, uma doente que recusa uma cirurgia ou uma anestesia, deixa de ter indicação para as mesmas.
Não se tenta convencer um doente pois algo pode correr mal... E o doente bem te avisou!!!

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

"Se não consegues lidar com o cirurgião não consegues lidar com o mundo da anestesia"

Existe uma forte interdependência entre ambas as partes, não se opera sem anestesia, não se anestesia o que não se opera (salvo as devidas excepções).
Como tal os desentendimentos são contra-producentes, conduzem todo o staff ao desânimo e desmotivação e porão certamente em risco a segurança do doente.
O anestesista não espera muito do cirurgião, apenas que cumpra o seu protocolo cirúrgico com o mínimo de complicações possíveis.
Já o cirurgião muito espera de nós, que mantenhamos o doente estável ao longo de toda a agressividade cirúrgica, que consigamos as melhores condições para um terreno cirúrgico adequado (exsangue, relaxado), que resolvamos qualquer intercorrência súbita de forma eficaz e ainda alguma bajulação ao óptimo trabalho que estão a desempenhar!!!
Só com um grande poder de encaixe e extremo à vontade na comunicação se chega perto da performance exigida.

Conselho: Saber lidar com o cirurgião implica impôr limites à interferência no trabalho de cada um. Só assim se conquista o respeito entre o staff com quem se trabalha.

"Todos os doentes são pré-operatórios"

Significa isto que qualquer doente é passível de ir ao bloco e deverá por nós ser avaliado como tal.
A lição que tiro desta máxima será a que devemos sempre olhar para um doente com olho de anestesista, mesmo que não seja prevísivel a necessidade dos nossos cuidados.
Recordo com saudade os meus tempos de interno do 1º ano (já lá vão 7 anos!) em que não havia pessoa que eu me cruzasse na rua cujo pescoço não fosse por mim inspeccionado, na incessante e entusiasta procura de estigmas de via aérea difícil.

Nunca se sabe...

E mesmo que não venhamos a anestesiar o doente previamente avaliado, fizemos um exercício mental dos cuidados a ter neste doente, com esta patologia associada, fármacos a usar, complicações expectáveis, entre outros.
Este exercício revela-se de extrema importância pois a práctica e a repetição torna-nos céleres quando tal se justifica, sem perder no entanto qualidade na avaliação e julgamento.

domingo, 10 de outubro de 2010

"Nenhum bloqueio falha; alguns apenas precisam de ser melhor complementados que outros"

Gostava de poder concordar com esta máxima mas chamar-me-iam de convencido (mais ainda!!!).
Realmente não é o bloqueio que falha, somos nós que erramos, sobretudo por precipitação ou manifesta impaciência (às vezes também não estamos nos nossos dias!).
De qualquer forma, mais importante de que nunca falhar será o de aprender com os erros, identificá-los, saber interpretá-los e corrigi-los.
Parece-me que por vezes há doentes que não têm perfil para o bloqueio que vamos realizar (mas não custa nada tentar).
Eis os conselhos que vos dou: uma boa sedoanalgesia antes de começar o bloqueio oferece um óptimo conforto ao doente (exemplo: midazolam + fentanil); levem o tempo necessário para o bloqueio ser eficaz; testem o vosso bloqueio antes da cirurgia começar; se necessário e adequado complementem com outros bloqueios mais distais; se mesmo assim ao doente se queixar nada como uma santa perfusão de propofol + remifentanil (e tenham o material necessário para uma eventual anestesia geral, não se perde mais tempo!).

"Não bloqueies uma dor que não exista"

Gostava de seguir esta máxima mas não consigo. Gosto de bloquear tudo o que mexe!!!
Mas eu penso assim porque acho que a analgesia em excesso dá um grande conforto ao doente (e o fentanil é uma grande droga!).
No entanto reconheço que caio no limiar do risco que é dar fármaco a mais; o risco deos efeitos secundários, sendo o mais grave a depressão respiratória.
Nunca é demais repetir que, se tiveres a noção dos riscos, da farmacologia, do tratamento das complicações, penso que te podes dar ao luxo de dar a mais do que a menos.
Não há melhor sensação do que ver um doente no fim da recuperação anestésico, ainda de tubo endotraqueal colocado, abrir os olhos e ele próprio tirá-lo, se qualquer tipo de repercussão.
Ou um doente acordar de uma artroplastia da anca, olhar para ti e pôr-se de lado, deitado sobre o lado operado como se nada fosse, tal o conforto inerente.
E isto, meus amigos, não se consegue só a bloquear a dor que existe mas sim a que não existe!

"A morte pode ser adiada, não derrotada"

Às vezes "enough is enough".
Devemos ter o senso clínico para saber quando parar. Tudo menos bater em mortos!
Qualquer decisão de suspensão de um acto médico cujo desfecho final será inevitavelmente a morte é dificílima de tomar, pois parece ser contranatura face à nossa responsabilidade máxima que é a preservação da vida. Porém devemos pensar no que podemos oferecer ao doente em termos de qualidade e dignidade de vida, por oposição à agressividade, morbilidade sequelar e probabilidade de sobrevida pós um acto anestésico-cirúrgico.
Será sempre uma decisão multidisciplinar que levará à suspensão de manobras de ressuscitação, à não intervenção ou à suspensão de uma cirurgia em curso caso o doente não tire quaisquer benefícios dos nossos cuidados.

"O doente nem sempre está certo mas nunca está errado"

Já dizia o dizer antigo que o freguês tem sempre razão, mesmo quando não tem.
Devemos sempre ouvir o doente, os seus temores, as suas recusas, tem direito a elas.
Cabe-nos a nós justificá-las ou acatá-las.
Muitas vezes, sendo o doente um leigo da medicina, encontra-se desinformado, refugia-se em determinados mitos, esconde-se na sua ignorância (o doutor é que sabe), chegando por vezes a má educação a sobressair.
O nosso papel será o de tirar todas as dúvidas, com palavras simples e facilmente compreendidas.
Ainda assim devemos respeitar quaisquer decisões, com o intuito de preservar a vontade, convicção, dignidade e bem estar do doente pois ele será a pessoa mais importante do bloco operatório.

"Não se promete a um doente algo que não esteja nas tuas mãos"

Esta máxima é tão certa e no entanto tão difícil de seguir (no que me diz respeito), porquanto um médico tem como objectivo preservar a vida, contrariar a morbilidade e dificilmente aceita tudo quanto não corra tão bem.
Daí que, à priori, nem lhe passe pela cabeça que algo possa correr mal ou, se tal acontecer, não se possa tratar.
O problema é o de transmitir esses sentimentos reconfortantes ao doente ou à família, esquecendo-mo-nos das excepções (quando tudo se complica).
Basicamente, não se deve dizer frase como "vai tudo correr bem", "é só adormecer e acordar", "não corre perigo de vida", "vai recuperar totalmente".
Estas frases estão correctas na sua essência mas a vida/morte, recuperação/sequela são temas que por vezes nos escapam pelos dedos e apresentam desfechos inesperados.

"Precisas de mais acessos venosos quando o cirurgião está a operar perto de um vaso que tu reconheces"

Esta máxima não tem muito que se lhe diga, é apenas uma brincadeira que tem o seu quê de responsabilidade.
E eu iria mais longe na máxima e diria "acessos grandes e gordos se o cirurgião opera nesse mesmo vaso cujo nome tu conheces".
Basicamente esta máxima foca o nosso senso clínico. Trabalhando-se perto de vasos de grande calibre como uma aorta, cava, carótida, podes precisar de fazer volume ou mesmo vasopressores (se patologia associada cardíaca), daí precisares de 2 bons acessos +/- catéter venoso central.
Caso não conheças o vaso perto de onde o cirurgião está a trabalhar, é bom que ele o conheça e melhor ainda que ele te avise da sua importância (preferencialmente preoperatoriamente e não quando a rasgou!!!)
Por via das dúvidas nunca te esqueças de perguntar se o terreno cirúrgico é muito vascularizado e/ou há perspectiva de perdas sanguíneas importantes. Comunicar é bom...

"Na dúvida chama por ajuda."

Não nos armemos em heróis. Por vezes um par de mãos extra ajuda, assim como um par de olhos extra e um cérebro extra.
Há coisa que nos escapam e por vezes falhamos por desatenção ou por caírmos sempre no mesmo erro, na mesma armadilha.
Não sabemos tudo, há situações que já não nos lembramos ou nunca vimos, execuções técnica em que não temos tanto à vontade mas o doente beneficiará grandemente dela (apesar de eu acreditar que o doente só beneficia daquilo que dominamos!), ou simplesmente não estamos a conseguir, apenas não é o nosso dia.
Podemos precisar de uma opinião àcerca de um traçado electrocardiográfico ou de ajuda para entrar no algoritmo de via aérea difícil.
Deixem o orgulho de lado e chamem por ajuda se assim o necessitarem.
E se o colega conseguir o que vocês não conseguiram (ainda por cima à primeira!!!) não se martirizem o resto do dia porque amanhã acontecer-vos-á o oposto.
Não chamem por ajuda tarde demais senão ela não vos servirá de nada (exemplo: na presença de um doente difícil de intubar não massacrem aquela via aérea com múltiplas tentativas porque não há pior que chamar um colega quando já só se vê sangue por todo o lado, uma epiglote edemaciada ou uma ventilação pouco eficaz!)

"É você que me vai pôr a dormir? Não, sou eu que o vou acordar!"

Se há máxima mais irónica!
Poucos são os doentes que têm noção do que é uma anestesia. Pensam que é dormir e acordar.
Metade dos doentes que vejo na consulta nem sabem que estão numa consulta de anestesia e quando se dão conta perguntam-me se é naquele instante que os vou pôr a dormir!!!
Falta de informação. Deve ser tudo explicado ao doente, em linguagem comum, com recurso a desenhos ou panfletos.
Apesar de tudo têm a ideia que anestesiar não é fácil e esta máxima corresponde a uma pergunta temerosa por tudo o que envolve o acto anestésico. No fundo o que pretendem saber será se e quando eles vão acordar. Daí a importância da consulta de anestesia.
São raros os que ligam à analgesia, ainda é uma questão cultural o facto que ter dores é sinal que estão vivos.
Devemos sensibilizar e apaziguar todos os receios. Por isso se diz que a comunicação anestesista-doente é a melhor medicação pré-anestésica.

"Os doentes são muito resistentes."

E não é que é mesmo verdade???
Poucos são os doentes que não te dão espaço de manobra para pensar, contemporizar, experimentar, contemplar.
Às vezes parece que eles querem mesmo morrer mas não conseguem!
Às vezes parece que há colegas que os querem matar mas não conseguem!
No fundo, todos os mecanismos compensatórios do doente face a uma determinada lesão orgânica funcionam demasiado bem e esgotá-los leva tempo.
Tive a oportunidade de comprovar esse facto durante os 2 anos em que fiz turnos de VMER. Fiquei com a noção que a minha presença e actuação teve de facto um impacto verdadeiramente positivo na morbilidade do doente em +/- 10% dos casos. Nos restantes 90% poderia não ter sido activado que o doente chegaria ao hospital sem agravamento do quadro que motivou a chamada do 112.
Conselho: esta máxima não deve ser levada à letra e, apesar de a saberem, devem tentar sempre optimizar o doente atempada e eficazmente, de forma a não terem surpresas desagradáveis. É que há excepções à regra...

"Nunca entres em pânico!"

Dogma que se aplica a todas as especialidades.
Um anestesista que entre em pânico põe todo o staff em polvorosa, retira credibilidade, confiança e segurança.
Tenta manter os níveis de ansiedade do teu cirurgião os mais baixos possíveis, ele que se preocupe apenas com o terreno cirúrgico, procurando que o resto seja da tua responsabilidade, ele agradecer-te-á.
Tens de passar a sensação que sabes o que se está a passar mesmo que assim não seja, que estás confiante mesmo que não estejas.
E não te esqueças nunca que o pior que pode acontecer é o doente parar; e como tu sabes o algoritmo de suporte avançado de vida na ponta da língua (tens mesmo de o saber!!!), nessa altura terá tudo sob controle.

"O acidente é a coisa mais estranha... Só dás por ele quando já aconteceu!"

Ou seja, andas sempre atrás dele e é sempre tarde demais, a única solução é reagires de pronto em vez de te antecipares e prevenires, como deveria ser.
O truque para evitar acidentes é o de estar sempre alerta, ao doente (saber a sua patologia associada e possíveis intercorrências cirúrgicas), aos monitores e aos seus sons/alarmes.
Prevenir... O mais importante na prevenção do erro e do acidente é arranjares rotinas, rituais de segurança (exemplos: dispôr o material na mesa de via aérea sempre da mesma maneira, verificar o ventilador entre doentes, rotulagem correcta de fármacos).
De qualquer forma precisamos de saber tratar quaisquer complicações (ou pedir ajuda atempadamente), mesmo que não saibamos a causa das mesmas.
Conselho: Qualquer acto pode dar origem a um acidente. Nunca executem algo cuja possível complicação não saibam tratar!