Aforismos anestésicos...

... Nada mais nada menos que aquelas máximas que nunca ninguém leu mas todo interno/especialista ouviu da boca de um anestesista. Ou se amam ou se odeiam!!!







terça-feira, 9 de novembro de 2010

"That's all, folks!!!"

Pois é, a minha caminhada no mundo bloguista das máximas anestésicas chegou ao fim, não por vontade própria mas porque sinto que esgotei o tema!
No entanto, neste meu último post, não poderia deixar de agradecer a todos os que me apoiaram, família e amigos, e a todos os que tiveram paciência de ler os meus devaneios mentais.
Espero que me revisitem num próximo blogue meu, quando surgir novo tema nesta cabecinha pensante.

Abraços prós beijinhos

domingo, 7 de novembro de 2010

"O Ambu é valioso em caso de corte de energia"

Digamos que o autoinsuflador manual, vulgo Ambu, é valioso em qualquer situação que exija manipulação da via aérea.
De fácil manuseio e extremamente portátil, será um dos equipamentos mais utilizados em Anestesiologia.
Deverá ser usado, para além do exemplo descrito na máxima, em caso de avaria do ventilador, paragem cardio-respiratória, transportes de curta distância. Para ser usado torna-se imperativo a sua verificação prévia, nomeadamente, o concentrador de oxigénio, a válvula de pressão, a válvula de PEEP e o balão em si (devo confessar que passei por sítios onde as diversas partes do Ambu se encontravam por montar!). Útil, mas não mandatório, a sua conexão a uma bala de oxigénio.
Em caso de corte de energia existem outras atitudes a tomar para além de ter o Ambu à mão (até porque os ventiladores, que não os portáteis, têm uma bateria interna auxiliar que permite o funcionamento dos mesmos).
Devemos avisar de pronto os cirurgiões se se prevê um corte de energia prolongado (pode ser necessário protelar a cirurgia em curso, fazendo apenas o semelhante a um "damage control").
Há igualmente que considerar a conversão para um balanceamento anestésico total endovenoso e pedir atempadamente as seringas perfusoras correspondentes (não há energia, não há sevo!).
Devo dizer que esta situação já me aconteceu e só a sistematização me valeu...

"Não tentes convencer um doente para uma anestesia regional se ele não quiser"

Não nos podemos esquecer que a recusa do doente na realização de um acto anestésico (e cirúrgico!) representa a contraindicação absoluta máxima para a abordagem do mesmo, até porque legalmente torna-se indefensável.
Mas talvez a pergunta mais pertinente que se impõe perante esta máxima seja: Porquê convencer?
Haverá assim uma necessidade tão grande na persuasão da dissuasão da decisão do doente? Não existirão alternativas à anestesia regional? Claro está, a velhinha anestesia geral ou até, por exemplo, a anestesia local com sedação.
Penso que o primeiro passo a dar será o de tentar perceber a razão da recusa. Por vezes os doentes referem más experiências com anestesias regionais prévias (várias tentativas; vómitos; bloqueio incompleto com necessidade de conversão), não se querem aperceber de nada ou apenas impera a desinformação àcerca da técnica e complicações. Caber-nos-á a nós desmistificar o mito, após o qual poderá o doente tomar, em consciência, a decisão final.
Poderemos achar que o doente beneficiará e muito da anestesia regional face à agressividade cirúrgica e/ou patologia associada. Compete-nos informar o doente dos riscos associados a cada uma das técnicas, assim como das vantagens.
Mais uma vez, a decisão final será sempre do doente!

"Sabe onde se encontra o desfibrilhador no bloco e como funciona"

Máxima sagaz e acertiva. Sobretudo porque poucos são os anestesistas que se lembram de verificar o adequado funcionamento de um desfibrilhador, tal a raridade com que o usam.
Sabemos que é realizado diariamente pelo staff de enfermagem um teste ao desfibrilhador mas cujo o único propósito será a verificação das condições da bateria.
Cabe-nos a nós verificar o resto, de forma regular, por uma razão de princípio fundamental: na maioria dos hospitais onde passei os desfibrilhadores eram diferentes de piso para piso, de enfermaria para enfermaria, de forma que necessitamos de nos inteirar dos "botões" básicos (para quando a preocupação hospitalar na standardização...).
A começar mesmo pelo básico: onde ele se encontra, onde se liga, é mono ou bifásico, funciona se não ligado à corrente, como se regula a voltagem e se procede à descarga.
Não esquecer de ver se, ao ligá-lo, ele assume de imediato as pás (e não as derivações, como nalguns), pois só nesse modo conseguiremos desfibrilhar.
Já agora procurem saber da existência de pás adesivas pois podem ser necessárias nas paragens ou em ritmos peri-paragem, taquidisritmias (cardioversão) ou bradidisritmias (pacemaker externo), ambos igualmente assustadores.

"Mantem as perfusões do doente do lado onde estão conectadas"

Mais uma máxima que foca a necessidade de uma metodologia rigorosa de trabalho no que diz respeito à organização todo o o equipamento que rodeia o doente, evitando potenciais erros lesivos.
De fácil execução, significa apenas que as perfusões (e já agora, soros e respectivos sistemas) debitando em catéteres periféricos ou centrais esquerdos, por exemplo, devem ficar sempre do lado esquerdo do doente (e de fácil acesso).
Imaginem que têm perfusões no lado contralateral ao acesso venoso do doente; se houver necessidade de o reposicionarem torna-se evidente o mais que provável estiramento dos prolongamentos dessas perfusões e consequente arrancamento do acesso. No caso de haver várias perfusões no mesmo acesso... Uma fora, todas fora! Convem não esquecer que um doente com muitas perfusões não é um "bom" doente e estará até dependente das mesmas (exceptuando a anestesia total endovenosa).
Igualmente irritante é ter perfusões e soros aleatoriamente à esquerda e direita, entrelaçando-se e enleando-se. Se há pior desorganização... Queres dar um fármaco e vês-te a seguir fios para teres a certeza que a torneira de 3 vias corresponde ao soro em questão!
Um último problema que justifica referir é o arrastar de prolongamentos de perfusões pelo chão. Mais uma maneira de tropeçar neles e arrancar acessos, partir seringas perfusoras e, quem sabe, a própria cabeça. Chamem um anestesista!!!

"Não se vai ao bloco poupar tempo nem ao estrangeiro poupar dinheiro"

Frase humorística proferida pela distinta Sra. Dra. Maria Cristina da Câmara, a "Senhora Anestesia", aos seus pupilos do exército anestésico dos Hospitais Civis de Lisboa, quando estes se queixavam que, por um qualquer motivo aparente, já estariam há demasiado tempo na sala do bloco operatório.
Apesar de sabermos que por vezes ficamos mais tempo de que desejaríamos, nunca devemos sentir o que pensamos pois facilmente perdemos discernimento nas nossas decisões e atitudes.
É manifestamente impossível realizarmos um trabalho de qualidade quando estamos a idealizar o que faremos quando sairmos do hospital.
Quando assumimos a responsabilidade de prestar um serviço a um doente ao longo do perioperatório, será a tempo inteiro, com a única preocupação de realizar um bom trabalho a par do restante staff que o rodeia, garantindo assim a total satisfação do resultado pretendido.
Deixem-me apenas acrescentar que, se não contamos os tostões quando vamos viajar, também não o devemos fazer no bloco operatório, porquanto a optimização do estado clínico de um doente não deverá ser alvo de qualquer tipo de preçário tabelado.
Alguém terá dito um dia que a vida não tem preço... Nem é perda de tempo!

"Onde há cianose há vida"

...E coronárias apertadas!
Porque uma coisa é certa, a cianose pode ser um sinal de vida mas não é certamente um sinal de saúde, nem tão pouco dá vida a um anestesista!
É uma máxima que aprecio de sobremaneira pois foca um aspecto que me diz muito, a monitorização clínica, ainda para mais trabalhando na vertente pediátrica, onde a clínica sobressai em relação à instrumental.
De facto, é razoavelmente comum ver crianças cianosadas pois basta um período de menor oxigenação para surgir a cianose, de seguida a dessaturação e posteriormente a bradicardia (em situações de hipóxia mantida e mais prolongada).
A cianose é um sinal clínico que se nota de imediato, cuja baixa de saturação consequente surge no ecrã longos segundos depois, daí a minha insistência na reavaliação clínica periódica do doente anestesiado (cianose, tempo de preenchimento capilar, pulso radial, sudorese, pupilas, expansão torácica, entre outros).
Face a um doente cianosado, na minha perspectiva e estando perante um contexto de urgência/emergência, trata-se primeiro o "sintoma", melhorando a oxigenação, pensando só depois na causa.
Apenas um pequeno àparte passando pelo doente com cardiopatia congénita cianótica, em se apresenta com a sua cianose habitual. Neste caso torna-se imperativo perceber a fisiopatologia da doença assim como os agentes anestésicos e atitudes que possam agravar a cianose existente e de que forma se procede à sua reversão.