Aforismos anestésicos...

... Nada mais nada menos que aquelas máximas que nunca ninguém leu mas todo interno/especialista ouviu da boca de um anestesista. Ou se amam ou se odeiam!!!







quarta-feira, 31 de março de 2010

"As crianças não são adultos pequenos"

São apenas... diferentes!!!
Acarretam maior dificuldade na execução de algumas técnicas (colocação de acessos venosos e arteriais centrais) e facilidade noutras (intubação, locorregional - onde são um mapa aberto de anatomia).
Agora, uma criança complicada (a nível anestésico ou cirúrgico) é mesmo muuuiiito complicada!!!
Talvez a maior diferença em relação ao adulto seja o aspecto emocional (a separação dos pais) e a preparação que temos de adquirir para o minimizar. Os próprios pais e a sua ansiedade também nos complica muito a vida.
Mas se esta máxima é acertiva e acertada, eu iria um pouco mais longe na mesma e diria que os recém nascidos não são crianças pequenas pois é nesta faixa etária que se verifica de forma mais consistente as características anatomofisiofarmacológicas que os diferenciam dos demais.

"Se falhas a preparar, preparas-te para falhar"

Não há máxima em anestesiologia que tenha uma conotação tão verdadeira.
Quanto mais complicada for determinada atitude anestésica, mais criterioso e meticuloso deves ser.
Tudo deve estar pré concebido na tua cabeça e transposto para fora dela.
Por exemplo, na abordagem de um doente com via aérea difícil previsível, deves ter as várias estratégias na cabeça e todo o material que necessitas para as materializares na mesa, previamente verificado.
Outro exemplo: conhecer a fundo a patologia associada do doente e o acto cirúrgico passo a passo para delineares em que circunstâncias os mesmos condicionam o teu acto anestésico. Desta forma consegues andar à frente do teu doente no que à sua preparação diz respeito (técnica, fármacos, monitorização, complicações e tratamento, analgesia).

segunda-feira, 29 de março de 2010

"Fibrilhação é um sinal de vida"

Ou "enquanto há fibrilhação há esperança!"
Realmente sabe-se que a hipotése de reanimar um doente a fibrilhar é muito maior do que um doente em assistolia.
E há casos notáveis de recuperação total de todas as funções orgânicas após reanimação de doentes em fibrilhação ventricular, quando iniciada de pronto.
Agora nunca se esqueçam: fibrilhação igual a desfibrilhação!!!

"Existem 3 máximas em Anestesiologia: calma, calma e calma!"

Na verdade, penso que esta velha máxima se deve aplicar a tudo na vida.
Será sempre uma grande virtude.
Para mim, mais do que ser uma pessoa calma, deve-se transmitir sempre essa calmitude no bloco, mesmo que a situação que tenhamos pela frente nos deixe nervosos, ou seja, nervoso por dentro, calmo por fora!
O staff que te rodeia deve sentir que estás sempre seguro e confiante nas tuas atitudes pois só assim consegues que tudo funcione na perfeição.
Não há nada pior que um cirurgião nervoso... A não ser um anestesista nervoso!!!

"Garrote em osso único"

Significa apenas que se deve colocar o garrote na região umeral quando se quer colocar um acesso venoso periférico no membro superior, por 2 razões simples:
- Se se garrotar o antebraço, mantem-se a circulação em todos os vasos interósseos (que se encontram entre o rádio e cúbito) e, em teoria, a venodilatação não será tão eficaz (na prática nunca vi uma diferença tão grande que justificasse não o fazer!).
- Garrotando o braço em vez do antebraço, permite-te, em caso de não se conseguir o acesso venoso na mão ou antebraço, ir directamente às cefálica e basílica do cotovelo, sem necessidade de tirar o garrote do antebraço e "regarrotar" o braço (perda de tempo!!!)

sexta-feira, 19 de março de 2010

"A anestesia pode ser terrivelmente simples ou simplesmente terrível"

Terrivelmente verdadeira, esta máxima!
A interpretação será: não facilitem nunca, por mais simples que o teu acto possa parecer; todo o material que possam eventualmente necessitar tem de estar pronto e verificado; saibam sempre o tratamento das complicações que possam surgir durante os actos anestésico e cirúrgico.
Um conselho: tenham sempre a mesa de via aérea devidamente pronta e saibam onde se encontra o Ambu (já agora vejam se está funcionante!!!) e o carro de reanimação!

"Doente curarizado é doente descurarizado"

Apesar de pouco aplicada pelos anestesistas (eu próprio não descurarizo por sistema), terá a sua razão de ser.
A grande maioria do estudos (electromiografia na UCPA) apontam para uma taxa de curarização residual elevadíssima, mesmo na ausência de critérios clínicos que motivem a descurarização. A hipoxémia e as atelectasias dela decorrentes nunca serão de descurar!

"Doente antagonizado é doente mal anestesiado"

Máxima muito antiga, cuja justificação para a proferir seria a de que se houvesse necessidade de antagonizar um fármaco, ter-se-ia dado esse fármaco a mais, logo, anestesiado de forma incorrecta.
Penso que hoje em dia essa frase está desactualizada e a antagonização é mais uma arma para usar se necessário. Vejamos o exemplo do Sugammadex, tão útil quando face a um doente curarizado com rocurónio e perante uma via aérea difícil não previsível.
Devemos apenas ter a noção que qualquer antagonista é um fármaco a mais com efeitos secundários potencialmente nefastos.
E, por favor, evitem ao máximo a naloxona. Se deram uma determinada dose de opióide que acharam adequada à agressividade cirúrgica ou ao perfil do doente, foi porque ele precisava!!!

"O olho de trás é cego!"

Farto-me de rir com esta frase!!!
Significa apenas que nada deve ficar nas tuas costas, simplesmente porque não a vês.
Conselho: ventilador à direita, mesa de via aérea à esquerda.

quinta-feira, 18 de março de 2010

"A anestesia é como pilotar um avião"

É apenas preciso estudar um pouco mais!!!
Mas podemos considerar que, tal como no avião, dever-se-á testar todo o material e equipamento que iremos usar.
Temos 2 partes de maior stress, a indução (ou descolagem) e a recuperação (ou aterragem), com potenciais complicações.
Tal comos os pilotos, a concentração e a confiança imperam.
Há pilotos que arriscam voar com mau tempo e os que não arriscam de todo. Também nós!
A manutenção (vôo) será, em teoria, a fase mais calma e de descompressão.
Ah, também temos farda e lindas hospedeiras à nossa volta!!! Ou não...

"Os ventiladores são com máquinas de lavar roupa, só mudam os botões!"

Máxima tão divertida!
Não sei se serão assim todos tão parecidos mas uma coisa é certa: deve-se trabalhar com o máximo de ventiladores que se conseguir pois apesar de haver algumas variações entre as várias marcas, os modelos das mesmas são realmente muito parecidos.
O conselho que posso dar será o de testar sempre o ventilador da tua sala, antes de cada caso, mesmo que já o tenhas usado nesse dia.
Não precisará de ser o teste exaustivo que é feito pelo staff enfermágico pela manhã mas devem testar sempre o ventilador da seguinte forma: em manual, com a pressão da válvula no mínimo e no máximo, ocluindo o final dos tubos corrugados; em controlada, verifincando se, em oclusão, o ventilador gera pressões (idealmente deverão adaptar o pulmão de teste e aproveitam para verificar a inexistência de fugas); finalmente os limites dos alarmes.

segunda-feira, 15 de março de 2010

"A administração concomitante de 2 fármacos equivale à administração de um terceiro fármaco do qual se desconhece as suas propriedades"

Das primeiras máximas que fixei e pela qual sempre demonstrei o maior respeito.
É neste momento muito raro misturar fármacos num soro, precisamente pelo desconfiança do grau de compatibilidade dos mesmos.
Tantos são os fármacos que manipulamos que forçosamente não conseguimos saber que interacções medicamentosas podem existir entre eles.
Posso dizer que já cheguei a ver cetorolac, tramadol e metoclopramida num só balão.
E pergunto: se o doente fizer uma reacção anafilática, a qual dos fármacos terá sido?
E se objectivo da metoclopramida é o de contrariar o potencial para náuseas e vómitos do tramadol, será que ela atinge concentração plásmatica e antecipação suficientes para o fazer?
E o tal "ketofol", aquela mistura de 1 para 1 de propofol e ketamina, criada para antagonizar os efeitos secundários um do outro? Como sei o que realmente estou a fazer, serão fármacos totalmente miscíveis? Não será mais simples 2 seringas com cada um dos fármacos em separado (quando assim faço acabo por usar uma relação de 3:1 de propofol:ketamina diminuindo em muito os efeitos secundários da última. E sei quanto faço de cada.
E não acham misterioso fazer mistura de 2 anestésicos locais para bloqueios de plexos braquiais?
Eu sei que o intuito é o de diminuir o início de accão do bloqueio e prolongá-lo mas, se usar 20cc de lidocaína 2% e 20cc de ropivacaína 0,75%, estou na realidade a fazer 40cc de lidocaina 1% e ropivacaína 0.375% (elas diluem-se uma à outra). Apenas alguns exemplos...

Se há fármacos que estão amplamente estudados e sabemos que os podemos fazer conjuntamente, outros há em que apenas suspeitamos! Valerá a pena o risco?

"O doente vai ao bloco para ser operado, não para ser anestesiado"

Esta máxima que eu pessoalmente sigo à risca dá azo a muita discordância.
A grande maioria das pessoas que a ouve pensa que representa algum grau de subserviência ao cirurgião.
A minha interpretação é a seguinte: devemos ter sempre uma postura de low profile e ter em mente que o doente, se pudesse, escolheria apenas ser operado e não anestesiado.
O nosso objectivo no bloco será sempre o de fornecer as melhores condições possíveis para o cirurgião poder executar igualmente o melhor possível o seu trabalho, sem preocupações externas, ao mesmo tempo que se providencia o máximo de conforto ao doente e uma adequada manutenção da perfusão orgânica.
Quando o anestesista se torna o centro das atenções do bloco significa que algo está a correr mal com o doente... ou com o anestesista!!!

"A dor é o antagonista fisiológico da depressão respiratória"

Devo confessar que esta é a máxima que prefiro. Reflecte no seu todo o meu perfil enquanto anestesiologista.
Um doente com dor nunca deprime e este dado clínico permite-nos a titulação do opióide até atingir o conforto total do doente, por maior que seja a dose a administrar.
E este é o patamar que anseio atingir em todos os doentes.

"Existem pequenas cirurgias mas não existem pequenas anestesias"

O princípio desta máxima será o de nunca facilitar a nossa atitude anestésica, qualquer que seja o acto cirúrgico proposto.
Qualquer desconcentração ou facilitismo da nossa parte pode-se revelar fatal para o doente.
Qualquer acto anestésico encerra uma consequência para o nosso doente, por mínimo que seja.

domingo, 14 de março de 2010

"Doente anestesiado é doente contido"

Ou seja, antes de induzir o doente, prendem-se os braços ao suporte de braços com fita adequada ou ligadura.
O que eu batalho para ver esta máxima cumprida pelos hospitais onde passo, máxima que acredito piamente e tantas vezes esquecida.
No dia em que um doente fizer uma lesão nervosa do membro superior porque ficou pendente durante o acto cirúrgico ou, pior, no dia em que um doente neurocirúrgico que esteja em pleno acto cirúgico, em decúbito ventral e pinado decida autoextubar-se por uma falha nossa (não viste que o Sevo já tinha acabado? Deste soro fisiológico em vez de atracúrio? NÃO IMOBILIZASTE O TEU DOENTE?), hão-de-se lembrar da minha cara... Linda, por sinal!

"Todos os doentes são anestesiáveis"

Frase linda, digna de registo e que encerra uma sensação de omnipotência difícil de explicar a qualquer outra pessoa que não anestesista.
Para mim representa um pau de dois bicos. Realmente, dizer esta frase em frente ao staff cirúrgico-enfermágico com que se trabalha, transmite muita segurança à equipa (eu sou um pouco mais rude e costumo dizer que anestesio tudo o que mexe!) e nada é mais importante.
Por outro lado eu respeito muito a segunda parte da máxima, que vos passo a citar:
"Todos os doentes são anestesiáveis... Mas nem todos são acordáveis!!!"

"Os doentes não morrem por não serem intubados. Morrem por não serem ventilados!"

Primeira máxima a ser ensinada e apreendida pelo interno. Não há especialista que não a saiba, por uma razão simples: É QUE É MESSSSMMMOOO VERDADE!!!
A ventilação assegurada, mesmo face a uma intubação difícil, dá-nos segurança e permite-nos tomar decisões com tempo e calma: Tento de novo? Acordo-o? Chamo ajuda?

Só espero que não recaiam repetidamente na primeira opção porque a ventilação "is a luxury you can't afford to loose".

"Na dúvida intuba-se"

Adoro esta máxima (se calhar porque sou fã da via aérea!) e estará para sempre no meu pensamento.
Em anestesia peca-se por excesso e não por defeito! Precisamente para que não haja dúvidas (a indecisão é o nosso pior inimigo).
Dúvidas se se intuba? É para intubar!
Dúvidas se se é mais invasivo na monitorização? Sê-lo!
Dúvidas se será uma via aérea difícil? Tudo pronto!
Ponto final nas dúvidas? não duvides!!!

"Doente que tolera o tubo é doente que precisa dele"

Parecia-me uma máxima sem ponto de discórdia, pois um doente acordado que não esboce reacção a um tubo, não terá a via aérea adequada protegida pois os reflexos laríngeos não estarão presentes.
Hoje em dia discordo um pouco desta máxima pois há doentes cuja extubação costuma ser precoce (asma, crianças...). Outros há que fizeram anestesia tópica da via aérea ou que estão "marinados" em fentanil e estão confortáveis com o tubo... e são extubados
Há que ter bom senso e ponderar o equilibrio entre o conforto e a aspiração...

sábado, 13 de março de 2010

"Onde há um nervo há um bloqueio"

Apesar de irrefutável, poucos são os que aplicam esta máxima... ao máximo!
É muito motivadora para quem gosta de anestesia locorregional porque, de facto, qualquer estímulo nócico é bloqueável.
Agora, se vale a pena ser assim tão fundamentalista... Penso que depende um pouco da própria agressividade cirúrgica do intra e pós op e, infelizmente, do tempo que necessitamos de dispender para realizar a técnica.
E não devemos ser castradores em relação à analgesia sistémica que continua a ter o seu lugar.

"O que tu dás já não tiras!"

Esta frase é muito poderosa e dá verdadeiramente que pensar!
Originalmente concebida a pensar na farmacologia (o que administras a um doente, salvo algumas excepções, já não consegues eliminar do organismo por tua vontade), penso que tem um fundo mais profundo!!!

A minha interpretação desta máxima é a de que qualquer atitude anestésica que tomes, deverás ter noção da sua consequência para o doente.
Será então uma máxima alerta!
Não no sentido de invocar o medo de dar ou fazer o que quer seja ao doente (até porque Medo não pode existir em anestesiologia!!!) mas sim de perceberes o que queres do teu doente, que efeitos ou complicações podes esperar do teu acto anestésico e como se tratam!

sexta-feira, 12 de março de 2010

"Não se tratam monitores, tratam-se doentes"

Ou então... O que é que a alteração na monitorização está a fazer ao doente? Máxima já antiga, que dá continuação à maxima anterior, aplicando-se a qualquer especialidade.

Mais uma vez esta frase mostra que o melhor monitor é o doente. Até porque por vezes há quem nem interprete de forma correcta o que a monitorização nos está a dar (não é de todo incomum!!!)
Apesar de tentar seguir esta máxima à letra, por vezes as alterações põem-nos apreensivos, mas já encontrei a solução. Pegar na ficha anestésica e tapar o monitor!!! LOOOLLLL

"Olha para o teu doente"

Tão importante e tão descurada!!! Quem tem olho clínico domina o seu doente.
É algo que tento transmitir aos internos e que me foi transmitido a mim, sobretudo pelos colegas mais velhos, que nunca tiveram um grau de monitorização tão elevado como o agora existente.
Dizia me eles: "Hugo, o doente não está a ventilar!". Mas a Sat O2 estava a 99%... Ainda!!!! Porem o doente ja estava cianosado, respiração paradoxal... Apenas um pequeno exemplo no mundo dos sinais clínicos que o doente nos pode fornecer que nos permite andar muito à frente do que a monitorização nos dá!

"Não se luta contra o doente, domina-se!!!"

Não me custou nada encontrar a minha primeira máxima pois foi-me repetida vezes sem conta no meu internato pela minha excelentíssima digníssima ex-chefe de equipa de Urgência, a Sra Dra Maria João Aguiar.

Uma máxima que sigo sempre à risca e cuja minha interpretação é a seguinte: "agarra" o teu doente desde o início do acto anestésico, anda sempre 2 passos à frente dele, tu é que mandas e comandas! É um verdadeiro grito de guerra!!!!