Aforismos anestésicos...

... Nada mais nada menos que aquelas máximas que nunca ninguém leu mas todo interno/especialista ouviu da boca de um anestesista. Ou se amam ou se odeiam!!!







domingo, 18 de abril de 2010

"Existem quilómetros de veias, só precisas de uma!"

... Pelo menos só precisas de uma para induzir um doente.
No entanto vê-se demasiadas vezes o staff do bloco aflitíssimo porque o doente não tem acessos.
Cabe-te a ti, enquanto anestesista, regular de novo a homeostasia da tua sala.
Não te podes esquecer de alguns conceitos básicos:
Primeiro, cateteriza-se um acesso venoso periférico com um catéter do calibre que a veia oferece (não se põe 18G em veias que parecem fios de cabelo, nem o contrário).
Segundo, não existem só veias no dorso da mão ou flexura do cotovelo. Olhem para a face anterior do punho, para o pé ou junto aos maléolos.
Terceiro, os acessos venosos centrais são nossos amigos e nós somos amigos deles. Jugular externa, jugular interna, subclávia, femoral. Basta um botãozinho de lidocaína e alguma destreza!

"Tem sempre um plano B e um plano C"

Máxima amplamente conhecida e aceite, citada aquando da abordagem de uma via aérea previsivelmente difícil.
Penso que podemos transpô-la para qualquer acto ou atitude anestésica que façamos.
Para além de necessitarmos de todo o equipamento devidamente verificado e preparado, devemos ter em mente estratégias alternativas no caso da primeira falhar, ou o nervosismo da falha levará a erros subsequentes em catadupa. O material relativo aos vários planos deverá estar sempre ao vosso alcance!
Não esquecer que os planos B e C devem ser do nosso total domínio (o plano B de uma via aérea falhada não deverá ser uma técnica que nunca tenham antes experimentado!).
Tenham igualmente em mente que uma técnica regional pode falhar ou ser insuficiente, com necessidade de complementação com uma anestesia geral, de forma que devem ter sempre o material de via aérea pronto a ser utilizado se necessário.

"Regra número 1 no bloco: se vês uma cadeira, senta-te nela!"

Uma pequena brincadeira, apenas para demonstrar que existem alguns tempos mortos e que devemos aproveitá-los para descansarmos (café, leitura, fechar a pestana!!!).
Nunca se sabe se alguma intercorrência surgirá e se passaremos as próximas horas numa correria de um lado para o outro.
Ou se o tempo previsto se prolongará para o dobro (como, aliás, acontece comummente!).
Poupem as varizes...

segunda-feira, 12 de abril de 2010

"Numbers are tools, not rules"

Pus esta máxima em inglês porque rima e eu sou um poeta!!!
Traduzindo: os números são um instrumento (de trabalho) e não uma regra.
Qualquer estatística, incidência, prevalência, representam apenas uma probabilidade expressa em percentagens. Confere-nos uma noção da realidade mas não a própria realidade, que depende de tantos outros factores (viezes do estudo, factores externos ao doente como a disponibilidade física e mental do staff). Não nos podemos esquecer que a experiência conta muito na vida profissional do anestesista pois a repetição de situações faz o mestre.
No entanto não deveremos ser redutores a ponto de dizer que os artigos dizem algo mas o que conta é como eu faço. Não é assim que se aprende, ensina e evolúi.
Na minha opinião deve-se tentar conjugar todo o material que nos faça crescer enquanto profissionais.

"Existe uma relação inversa entre a abilidade do cirurgião e a frequência com que ele se queixa de falta de relaxamento muscular"

Ou, "quando o bailarino é mau até o chão está torto".
Esta máxima é sabida a nível mundial, só pode ser verdadeira!!!
Um cirurgião nervoso, ou enervado, acha que está sempre tudo mal e tenta culpar os outros pelos seus erros (ou falta de jeito), em vez de os resolver.
Nós somos o primeiro alvo.
No entanto esse tipo de cirurgiões acaba por nos complicar também a vida (presumindo que seja um doente com patologia pesada, para um acto cirúrgico agressivo e com potencial para demorar o triplo de que estaria previsto).
Não nos podemos esquecer que alguns dos nossos objectivos serão os de transmitir segurança ao staff e oferecer as melhores condições ao cirurgião de forma que o meu conselho é o de dar uma dose de carga de relaxante semelhante à da indução e dizer-lhe. Discordo totalmente que se finja dar o que quer que seja (se não concordam com o pedido do cirurgião digam-lhe!). Às vezes ele pode mesmo ter razão!
Caso não funcione, saiam da sala do bloco, vão beber um café e... deixem lá o interno! Eheheheh!

"Se palpas pulso não entres em pânico"

É que não entres mesmo!!!
Não te podes esquecer que deves sempre olhar primeiro para o teu doente e depois para o monitor.
Existem interferências na freq. cardíaca motivadas, por exemplo, pelo canivete eléctrico, que te podem assustar. Podes olhar logo para a freq. dada pelo oxímetro de pulso e ver se são concordantes mas, na dúvida, dedos na carótida!
Pode-se descolar um elétrodo e ficares sem traçado e freq., ou os elétrodos estarem mal colocados e os complexos QRS no monitor serem tão pequenos que ele só lê... assistolia! Na dúvida, dedos na carótida.
Pode-se ter colocado uma braçadeira de tensão arterial inadequada para a circunferência do braço do doente, com uma tensão resultante mais baixa que o esperado, ou alguém pode estar a pisar a mangueira da braçadeira e ficares... sem tensões! Na dúvida... dedos na carótida!
Não esquecer ainda que, perante manobras de reanimação num doente parado torna-se fulcrar... dedos na carótida!
São apenas pequenos exemplos.
Gostaria apenas de salientar que em anestesia para o doente queimado a tua avaliação clínica ao longo do banho e penso do doente é fundamental, uma vez que aquando do banho e dos diversos posicionamentos tudo se descola (elétrodos, oxímetro) e os valores dados pela TA invasiva são muitas vezes erróneos. Nada como os dedos na carótida e avaliar frequência, ritmo e amplitude.

"Preocupa-te com as perdas sanguíneas que possas ouvir!"

Máxima muito interessante de se discutir.
No início do internato aprendermos muito a ver e a manipular mas ao longo de todo o nosso percurso evolutivo surge o apuramento doutro sentido: a audição.
Quer seja o ritmo (ou disritmo) cardíaco, o som mais grave de uma saturação de O2 a baixar, o alarme de um ventilador, o ruído de transmissão de uma queda de língua... Ou os barulhos do aspirador!
Aprendemos rapidamente a diferenciar a aspiração de soro, de liquido peritoneal... e de sangue (líquido misturado com ar).
É este o som que nos faz de imediato saltar da cadeira, olhar para o campo cirúrgico, para o aspirador, para o doente, para o monitor e para o ritmo dos fluidos!

sexta-feira, 9 de abril de 2010

"Quanto mais um ECG se parece com um EEG, mais doente está o coração"

Grande sentido de humor tem o sôtôr que se lembrou deste pensamento soberbo!
Realmente o EEG de um doente mais parece uma fibrilhação ventricular (se não estiver sobreanestesiado...).
Se calhar é por isso que me esqueço sempre de usar o BIS; tenho receio de olhar apenas de relance e gritar de imediato: -Afastem-se!!! Vou desfibrilhaaaar!!!

quinta-feira, 8 de abril de 2010

"Cuida bem da mãe e cuidas bem do filho"

Máxima muito bonita e seguida basicamente por todo anestesiologista dedicado à obstetrícia.
Simples de interpretar: sabendo que o filho é um reflexo da mãe, se a mãe estiver bem, o filho também.
Assim o nosso objectivo perante uma grávida que necessite dos nossos cuidados será o de garantir o máximo de conforto à mesma, ou seja, correctamente analgesiá-la e manter uma adequada pressão de perfusão orgânica (onde se inclui a perfusão placentar) e aporte de oxigénio.
Parece simples...
Não é...

"O tubo não foge!!!"

Mais uma máxima que muito me faz rir e que me foi repetida incessantemente ao longo do internato pela minha querida ex-chefe de equipa da Urgência, Dra. Maria João Aguiar.
Pois bem, é com orgulho que digo que aprendi bem a lição e quase nunca, após intubar um doente, permaneço com a minha mão dominante a segurar no tubo até que alguém o faça por mim.
Justificação nº1: ele não foge MESMO!!!
Justificação nº2: um anestesista com uma mão presa é meio anestesista!!!
Justificação nº3: se não tirasse a mão levava uma palmada na mesma, e doía!!!
Portanto os passos são os seguintes: laringoscopia, intubação, fixar, conectar. Pode-se auscultar agora com o intuito de verificar a presença/ausência de ruídos adventícios e diminuição ou não de murmúrio (não ausculto antes de fixar porque se vi passar o tubo pelas cordas e parei de avançar com o mesmo quando deixei de ver o cuff, ele está bem colocado. Apenas olha para o número que me indica a profundidade do tubo).
No início disse "quase nunca" porque em crianças muito pequenas o tubo facilmente foge, bastando 1 cm para se exteriorizar ou selectivar um pulmão. Neste caso agarro-me bem ao meu rico tubinho!

Só um à parte: a agulha de epidural, quando se encontra no espaço epidural, encrava, ou seja, também não é preciso segurá-la! Vi um colega a dar uns piparotes numa agulha que se encontrava no espaço epidural CERVICAL, enquanto dizia alegremente: "-Vês, vês, não se mexe!!!"

"Mais vale ele a chorar do que eu a chorar"

Mais uma que segue um pouco a teoria da máxima anterior, se bem que ainda aplicado muitas vezes na anestesiologia pediátrica.
Não há dúvida que um do grandes objectivos do anestesiologista pediátrico é o de conseguir o máximo de conforto para a criança, quer no intra, quer ao longo de todo o pós operatório.
E esta é por vezes uma tarefa árdua de conseguir, sobretudo nos recém nascidos ou prematuros até 6 meses de idade.
Se a miudagem mais crescida agradece todo o fármaco que administrarmos com o intuito de promover uma correcta analgesia, já os mais pequenotes agradecem-nos com largos períodosde apneia e completa letargia! São uns queridos!!!
Devido à sua imaturidade orgânica, parece-me que qualquer fármaco dado é potenciado, prolonga-se no organismo e actua sinergicamente, "à bruta", com os outros fármacos anestésicos.
Como devem calcular, este comportamento faz mal às nossas coronárias e daí que, se estes bebezitos choram, estão vivos e tiram-nos um peso de cima.
Agora, a minha opinião é a de que esta máxima é extremamente redutora e castradora pois, se por um lado estão vivos, por outro estão a sofrer, e a nossa obrigação é minorar o seu sofrimento.
Se nos agarramos a esta máxima nunca teremos a ambição e criatividade para a contrariarmos.
Um conselho: nesta faixa etária abusem das locorregionais e terão uma agradável surpresa!

"Doente que tem dor, respira"

Infelizmente, sendo esta uma máxima que vingou durante tanto tempo na anestesiologia do antigamente, tinha de ser colocado no meu blogue.
Nem sempre a anestesia foi o que é. Há não muito tempo atrás não havia toda uma estrutura que existe actualmente em redor de um doente proposto para um acto cirúrgico e, por consequência, anestésico. Assim praticava-se o que se poderia chamar uma "Anestesia protectora", mais virada para o lado da "aguentocaína"!!!
Hoje em dia possuímos todo um grau de monitorização inexistente na altura (por exemplo a oximetria de pulso surgiu apenas há 50 anos atrás e até lá era "o belo do pezinho destapado" e o seu grau de cianose que nos dizia se o doente se encontrava adequadamente saturado, assim como a coloração do sangue no campo cirúrgico), temos uma Unidade específica de Cuidados Pós Anestésicos, onde os doentes são vigiados por um staff experiente e qualificado (conceito inexistente antigamente), temos uma enfermaria com staff enfermágico mais (ou menos...) focado para o doente pós-cirúrgico e analgesia pós-operatória.
Penso que, actualmente, com o grau de vigilância e monitorização que temos, podemo-nos dar ao luxo de correctamente analgesiar os doentes, com todas as técnicas que dominamos, pois quaisquer efeitos secundários que daí advenham facilmente são detectados e corrigidos.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

"Trabalho de interno é pouco (considerado) mas quem o rejeita é louco!"

Não há dúvida que um interno é uma mais valia na nossa especialidade.
Não serve apenas para fazer fichas (mas tão bem que as faz -eheheh!!!) ou partir uns quantos dentes aquando da laringoscopia (mas tão bem que os parte - eheheh!!!)
O interno é um espécime muito especial cuja sua carga motivacional perante algo que anseia saber incute ao especialista a vontade de aprender, estudar e experimentar para poder ensinar.
O facto de querer participar no mais simples acto anestésico transforma-o um pouco num "pau-para-toda-a-obra", apesar dele pouco se importar, pois qualquer acto que consiga executar com sucesso oferece-lhe uma sensação de bem estar nunca antes sentido.
Ter um interno ao meu lado, vê-lo com um brilhozinho nos olhos quando um doente é anestesiado na perfeição, vê-lo evoluir e tomar conta das rédeas de uma situação aparentemente complicada, complementa na sua plenitude toda a minha realização profissional.
Sou especialista apenas há 2 anos mas desde já vos digo "OBRIGADO!!!"

"O doente não sangra dopamina!!!"

...Sangra SANGUE!
Mais importante do que a administração de qualquer fármaco vasoactivo, será a administração de volume, por forma a manter uma adequada pressão de perfusão orgânica.
Atenção, dar volume não é encharcar o doente! Deve-se restituir o que o doente perdeu ou está a perder, mediante as mais diversas considerações clínicas e laboratoriais: Fc, TA, diurese, PVC, presença/ausência de fervores, preenchimento capilar, mucosas, hematócrito, lactatos....
No meu ponto de vista esta restituição de volume deverá ser feita com colóide até ao trigger transfusional.
Poder-se-á promover a vasoconstricção com aminas, se o doente necessitar, quando houver volume nos vasos que o permitam, não esqueçando o grande poder vasoconstritor das mesmas e as complicações que advêm do seu uso.

"Acha sempre que podes não conseguir intubar"

Mais uma vez o conselho de nunca facilitar.
Apesar de uma adequada avaliação pré operatória da via aérea, podemos sempre ser surpreendidos por alguma dificuldade não antecipada.
Devemos ter sempre vários planos estratégicos em mente sem nunca perder a noção de que o doente, acima de tudo, deve ser mantido adequadamente oxigenado, ou seja, aferir sempre se se consegue ventilá-lo ou não.
Já agora mais um conselho: não se relaxa um doente com previsibilidade de intubação difícil; não se "adormece" um doente com previsibilidade de ventilação difícil.
A linha entre o difícil e o impossível pode ser tão ténue...