Aforismos anestésicos...

... Nada mais nada menos que aquelas máximas que nunca ninguém leu mas todo interno/especialista ouviu da boca de um anestesista. Ou se amam ou se odeiam!!!







terça-feira, 7 de setembro de 2010

"Kinkar pode matar... ou enervar!"

Para quem não sabe, quase todo o material anestésico está sujeito a um kinking, ou seja, a dobrar-se.

Há um material que me enerva extremamente quando kinka: os "abbocaths"!!! Nada mais irritante que um catéter que não debita volume como esperaríamos. E porquê? porque se insiste em pôr gravatas após cateterização periférica para fixar melhor o catéter! TRETAS!!!
Só se quiserem kinkar o catéter (acontece tantas vezes!). E o maior problema é tirar a gravata para deskinkar o catéter. Ai que nervos!!! Ponham 2 tiras de adesivo tipo Mefix a travar o catéter, garanto que chega.

Por outro lado existem kinkings bem mais graves (e igualmente enervantes!) que devem ser precocemente reconhecidos:
o tubo endotraqueal (alarme de pressão alta na via aérea e dessaturação) - tenham muito cuidado com um kinking de um tubo aramado porque já não dá para deskinkar e implica troca imediata de tubo ;
os tubos corrugados (alarme de pressão alta na via aérea se ramo inspiratório ou pressão na via aérea progressivamente maior se ramo expiratório... até ao barotrauma!) ;
os prolongamentos das seringas perfusoras, nomeadamente das aminas, cujo kinking pode levar a colapso circulatório (de realce que se deve usar SEMPRE prolongamentos rígidos e não moles, para não terem dissabores);
o catéter epidural (dor!!!), que deve ser visto de fio a pavio e não retirado de pronto quando não se consegue injectar um fármaco.


domingo, 5 de setembro de 2010

"Quando já nada há a fazer, desconecta o tubo traqueal e sopra nele!"

Esta é forte e algo que espero nunca ter de fazer (enquanto há Ambu há esperança!).
Mas dá realmente que pensar, sobretudo porque já me aconteceu algumas vezes ter de desconectar o doente do ventilador (do bloco e portátil) e ventilá-lo com Ambu, por avarias várias dos mesmos.

O mais importante para que nada passe despercebido e consigamos manter o doente em segurança será o de ter um algoritmo na cabeça quando se suspeita de alguma avaria.
Existem alguns passos chave:

Verificação do ventilador antes da indução anestésica (ver se os limites dos alarmes são os correctos).
Olhar para o doente e assegurar a sua adequada expansão torácica.

Se o ventilador não cicla ou o doente dessatura (e é real) e os alarmes disparam deve-se ver se o doente expande, se o fole do ventilador enche, qual o limite atingido (no caso será o limite mínimo do volume/minuto). Caso algum dos itens se confirme comecem por ver se o tubo traqueal se desconectou (deve rondar os 80%). Outras hipóteses seriam uma extubação acidental, traqueias rotas, avaria intrínseca do ventilador e mais outras mil.
Assim sendo, se não se fizer o diagnóstico em tempo útil (tempo que leva o doente a ter uma Sat O2 < 90%), conecta-se o doente ao Ambu (de preferência com reservatório e ligado a fonte de O2) e faz-se a pesquisa da falha com calma... sempre muita calma!

"ABC of anaesthesia: always be cool, always be cocky!"

Tradução: Um anestesista deve ser sempre cool e sempre atrevido.
Pessoalmente, aplico esta máxima na relação que mantenho entre o staff e na abordagem anestésica.

Se transmitirmos calma e boa disposição teremos sempre um staff que nos acompanha, do nosso lado, pronto a colaborar e confiantes do seu valor. Um certo atrevimento leva a risos e sorrisos, companheirismo e estreitamento de relações inter-pessoais.

Abordando o doente e o acto anestésico de forma descontraída transmitirá a sensação que controlamos a situação com mestria (mesmo que não seja esse o caso!!!). Se formos atrevidos (prioritizando sempre a segurança do doente) e idealizarmos, experimentarmos, partilharmos... evoluiremos... muito!

De qualquer forma, se querem ser bons anestesiologistas necessitam de um terceiro adjectivo: sempre alerta! Conjugando os 3 atributos imprimirão uma segurança rara que todo o staff apreciará.

"Só se começa uma anestesia quando se olha olhos nos olhos com o cirurgião"

A única desvantagem deste ponto será a de se perder tempo operatório mas os benefícios da espera reflectidos em qualidade suplantam largamente o contratempo do tempo.

Um cirurgião presente fornece-nos informações preciosas no que concerna o estado do doente préoperatoriamente, como decorreram cirurgias prévias, anestesias prévias, posicionamentos, possíveis complicações, o estado do tempo, da nossa selecção, entre muitos outros assuntos que nos dão a percepção das dificuldades para além de estreitar relações entre o staff e transmitir segurança e concentração a uma sala operatória.

Por outro lado será sempre indesejável ter de recuperar um doente induzido porque o cirurgião adoeceu, ficou preso no elevador ou partiu o braço quando caíu no pátio escorregadio do hospital enquanto mandava um SMS ao anestesista a dizer que ele já podia começar a anestesiar porque estava mesmo a chegar!

Pior ainda, anestesiar o doente errado, o braço errado....

sábado, 4 de setembro de 2010

"O cirurgião tenderá a culpar o anestesista pelos seus próprios erros"

É verdade que se ouve algumas vezes a lamentação de um cirurgião de que a culpa foi da epidural ou que o doente não vai ser operado porque o anestesista não deixa ou que demorou mais tempo porque o doente não estava relaxado.
Não duvido que também existam anestesistas que estejam sempre a complicar e a pedir explicações fúteis aos cirurgiões.
Pouco tenho a dizer desta máxima pois é da natureza humana a procura incessante em "fugir com o rabo à seringa".
Só sei que todos nós cometemos erros e a responsabilidade deve ser assumida e muitas vezes repartida. Os erros deverão ser sempre avaliados e medidas tomadas para os evitar de futuro.
Apesar de soar a cliché, parece-me a única maneira de evitar esta máxima que tanta discussão e mal-estar traz a um staff de bloco.

"O cirurgião considera-se duas vezes mais rápido do que realmente é"

É impressionante a veracidade desta frase e pena é que assim seja porque poucos percebem como a nossa noção de determinado tempo operatório condiciona a nossa estratégia anestésica, enquanto manuseio de fluidos, abordagem de via aérea, profilaxia de náuseas e vómitos e invasibilidade do doente.

O ideal será conhecer bem o cirurgião, perceber em que fase operatória está, se há fase com maior probabilidade de perdas sanguíneas, pedir updates cirúrgicos horários e outras informações que considerem pertinentes.

Em jeito de conclusão, diria que o mais importante não será o tempo cirúrgico mas sim a qualidade anestésico-cirúrgica e a adequada comunicação entre o staff.

"Anestesiar bem é uma arte!"

Gosto desta máxima porque combina comigo... e porque é verdade.

Sempre achei interessante o facto de muitos anestesistas terem como passatempos artes tão variadas como a pintura, literatura, fotografia ou cinema, de as discutirem tão apaixonadamente e nelas participarem activamente.

Encarando o acto anestésico como mais uma contemplação artística, em que se tenta uma simbiose perfeita de atitudes/fármacos/coordenação/liderança/antecipação que promovam uma envolvência de segurança/tolerância/conforto/analgesia face a um qualquer acto cirúrgico, sai-se do bloco operatório com a total consciência de uma plenitude de satisfação perante todo um processo artístico vivido.



Tendo eu já constatado este facto, parece-me de todo incompreensível que existam anestesistas com perfil único de "mida, fenta, propofol e atracúrio" ao longo de todo o perioperatório!