Aforismos anestésicos...

... Nada mais nada menos que aquelas máximas que nunca ninguém leu mas todo interno/especialista ouviu da boca de um anestesista. Ou se amam ou se odeiam!!!







quinta-feira, 8 de abril de 2010

"Cuida bem da mãe e cuidas bem do filho"

Máxima muito bonita e seguida basicamente por todo anestesiologista dedicado à obstetrícia.
Simples de interpretar: sabendo que o filho é um reflexo da mãe, se a mãe estiver bem, o filho também.
Assim o nosso objectivo perante uma grávida que necessite dos nossos cuidados será o de garantir o máximo de conforto à mesma, ou seja, correctamente analgesiá-la e manter uma adequada pressão de perfusão orgânica (onde se inclui a perfusão placentar) e aporte de oxigénio.
Parece simples...
Não é...

"O tubo não foge!!!"

Mais uma máxima que muito me faz rir e que me foi repetida incessantemente ao longo do internato pela minha querida ex-chefe de equipa da Urgência, Dra. Maria João Aguiar.
Pois bem, é com orgulho que digo que aprendi bem a lição e quase nunca, após intubar um doente, permaneço com a minha mão dominante a segurar no tubo até que alguém o faça por mim.
Justificação nº1: ele não foge MESMO!!!
Justificação nº2: um anestesista com uma mão presa é meio anestesista!!!
Justificação nº3: se não tirasse a mão levava uma palmada na mesma, e doía!!!
Portanto os passos são os seguintes: laringoscopia, intubação, fixar, conectar. Pode-se auscultar agora com o intuito de verificar a presença/ausência de ruídos adventícios e diminuição ou não de murmúrio (não ausculto antes de fixar porque se vi passar o tubo pelas cordas e parei de avançar com o mesmo quando deixei de ver o cuff, ele está bem colocado. Apenas olha para o número que me indica a profundidade do tubo).
No início disse "quase nunca" porque em crianças muito pequenas o tubo facilmente foge, bastando 1 cm para se exteriorizar ou selectivar um pulmão. Neste caso agarro-me bem ao meu rico tubinho!

Só um à parte: a agulha de epidural, quando se encontra no espaço epidural, encrava, ou seja, também não é preciso segurá-la! Vi um colega a dar uns piparotes numa agulha que se encontrava no espaço epidural CERVICAL, enquanto dizia alegremente: "-Vês, vês, não se mexe!!!"

"Mais vale ele a chorar do que eu a chorar"

Mais uma que segue um pouco a teoria da máxima anterior, se bem que ainda aplicado muitas vezes na anestesiologia pediátrica.
Não há dúvida que um do grandes objectivos do anestesiologista pediátrico é o de conseguir o máximo de conforto para a criança, quer no intra, quer ao longo de todo o pós operatório.
E esta é por vezes uma tarefa árdua de conseguir, sobretudo nos recém nascidos ou prematuros até 6 meses de idade.
Se a miudagem mais crescida agradece todo o fármaco que administrarmos com o intuito de promover uma correcta analgesia, já os mais pequenotes agradecem-nos com largos períodosde apneia e completa letargia! São uns queridos!!!
Devido à sua imaturidade orgânica, parece-me que qualquer fármaco dado é potenciado, prolonga-se no organismo e actua sinergicamente, "à bruta", com os outros fármacos anestésicos.
Como devem calcular, este comportamento faz mal às nossas coronárias e daí que, se estes bebezitos choram, estão vivos e tiram-nos um peso de cima.
Agora, a minha opinião é a de que esta máxima é extremamente redutora e castradora pois, se por um lado estão vivos, por outro estão a sofrer, e a nossa obrigação é minorar o seu sofrimento.
Se nos agarramos a esta máxima nunca teremos a ambição e criatividade para a contrariarmos.
Um conselho: nesta faixa etária abusem das locorregionais e terão uma agradável surpresa!

"Doente que tem dor, respira"

Infelizmente, sendo esta uma máxima que vingou durante tanto tempo na anestesiologia do antigamente, tinha de ser colocado no meu blogue.
Nem sempre a anestesia foi o que é. Há não muito tempo atrás não havia toda uma estrutura que existe actualmente em redor de um doente proposto para um acto cirúrgico e, por consequência, anestésico. Assim praticava-se o que se poderia chamar uma "Anestesia protectora", mais virada para o lado da "aguentocaína"!!!
Hoje em dia possuímos todo um grau de monitorização inexistente na altura (por exemplo a oximetria de pulso surgiu apenas há 50 anos atrás e até lá era "o belo do pezinho destapado" e o seu grau de cianose que nos dizia se o doente se encontrava adequadamente saturado, assim como a coloração do sangue no campo cirúrgico), temos uma Unidade específica de Cuidados Pós Anestésicos, onde os doentes são vigiados por um staff experiente e qualificado (conceito inexistente antigamente), temos uma enfermaria com staff enfermágico mais (ou menos...) focado para o doente pós-cirúrgico e analgesia pós-operatória.
Penso que, actualmente, com o grau de vigilância e monitorização que temos, podemo-nos dar ao luxo de correctamente analgesiar os doentes, com todas as técnicas que dominamos, pois quaisquer efeitos secundários que daí advenham facilmente são detectados e corrigidos.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

"Trabalho de interno é pouco (considerado) mas quem o rejeita é louco!"

Não há dúvida que um interno é uma mais valia na nossa especialidade.
Não serve apenas para fazer fichas (mas tão bem que as faz -eheheh!!!) ou partir uns quantos dentes aquando da laringoscopia (mas tão bem que os parte - eheheh!!!)
O interno é um espécime muito especial cuja sua carga motivacional perante algo que anseia saber incute ao especialista a vontade de aprender, estudar e experimentar para poder ensinar.
O facto de querer participar no mais simples acto anestésico transforma-o um pouco num "pau-para-toda-a-obra", apesar dele pouco se importar, pois qualquer acto que consiga executar com sucesso oferece-lhe uma sensação de bem estar nunca antes sentido.
Ter um interno ao meu lado, vê-lo com um brilhozinho nos olhos quando um doente é anestesiado na perfeição, vê-lo evoluir e tomar conta das rédeas de uma situação aparentemente complicada, complementa na sua plenitude toda a minha realização profissional.
Sou especialista apenas há 2 anos mas desde já vos digo "OBRIGADO!!!"

"O doente não sangra dopamina!!!"

...Sangra SANGUE!
Mais importante do que a administração de qualquer fármaco vasoactivo, será a administração de volume, por forma a manter uma adequada pressão de perfusão orgânica.
Atenção, dar volume não é encharcar o doente! Deve-se restituir o que o doente perdeu ou está a perder, mediante as mais diversas considerações clínicas e laboratoriais: Fc, TA, diurese, PVC, presença/ausência de fervores, preenchimento capilar, mucosas, hematócrito, lactatos....
No meu ponto de vista esta restituição de volume deverá ser feita com colóide até ao trigger transfusional.
Poder-se-á promover a vasoconstricção com aminas, se o doente necessitar, quando houver volume nos vasos que o permitam, não esqueçando o grande poder vasoconstritor das mesmas e as complicações que advêm do seu uso.

"Acha sempre que podes não conseguir intubar"

Mais uma vez o conselho de nunca facilitar.
Apesar de uma adequada avaliação pré operatória da via aérea, podemos sempre ser surpreendidos por alguma dificuldade não antecipada.
Devemos ter sempre vários planos estratégicos em mente sem nunca perder a noção de que o doente, acima de tudo, deve ser mantido adequadamente oxigenado, ou seja, aferir sempre se se consegue ventilá-lo ou não.
Já agora mais um conselho: não se relaxa um doente com previsibilidade de intubação difícil; não se "adormece" um doente com previsibilidade de ventilação difícil.
A linha entre o difícil e o impossível pode ser tão ténue...